cor de base






“Não há difusão de imagens ordinárias.” Há sim. De qualquer forma, a difusão – e consequente repetição – de uma mesma imagem a torna trivial. Este é um paradoxo: deveríamos nos interessar por imagens impactantes ou pictóricas (imagens que seriam singulares), mas instantaneamente torná-las banais.
Vejo o trabalho de Diego Castro com um interesse perverso, sua facilidade em duplicar o ordinário, ainda mais pela reinserção ou distorsão destas imagens por meio do uso de materiais que diríamos “industriais”, ou procedimentos que são manipuladas de forma tecnicamente arbitrária, o que as torna ainda mais distantes. As esculturas são bizarras, repetem-se numa serialidade que potencializa sua solidão e sua falta de subjetividade, o que remete a uma forçada carência de qualquer potencial expressivo. O efeito é que, mesmo tomando-as como específicas pela sua fatura advinda de uma pesquisa intensa, se tornam quase invisíveis, ou melhor, mudas... afásicas. A descoberta de sua origem – são feitas a partir de silhuetas de soldados – se dá lentamente. Paulatinamente, sentimos que há algo ali que retiraria essas esculturas de sua rigidez e homogeneidade... para nos mergulhar em um outro sentido de ordinarice.
Mas o ordinário só admite imagens afeitas? As imagens quando se consolam de si.
Há apenas disfunção de imagens: no embate por sua posição espalhada pelo cotidiano que é sempre viciado em si próprio (a imagem que se cansa de sua própria imagem). Mas, assim, ao mesmo tempo por uma espécie de afeição por essas imagens que, mesmo sublimadas, nos colocam ainda mentindo dentro delas? Mentindo por elas... Talvez seja um pouco a história da representação... Não no sentido de mentirmos através das imagens, mas mentirmos por uma estranha exigência de sua reorientação ou redignificão, ou pela reafirmação ou por sua atualização.
Resta-nos escolher em que etapa não tomar partido...
Diego, em seus projetos, dá enfâse à acurada construção material de seus trabalhos. Enfatiza, por exemplo, sua pesquisa sobre cor. Toma partido de um caráter tecnicista, como a utilização do sistema de cores CMYK – Ciano (Cyan), Magenta (Magenta), Amarelo (Yellow) e Preto (Black) –, utilizado na produção de materiais impressos. Irônico também que esse sistema de cores, mesmo deslocado, se dá como substrativo. Dessa mandeira, toma partido de mais um nível de escolha, pela tentativa de eliminação da carga simbólica das imagens que escolhe.
Penso os trabalhos de Diego como uma apaziguação de imagens estanques que se negam, e se negam sim: simulacros de um corpo perdido replicado por uma silhueta dum qualquer soldado, como que apaziguado e extendido dentro de uma escultura chã.... Quase esdrúxula e silenciosa.... Algo baixo, pesado e límpido que não nos diz nada, a não ser por estar ali clamando se expandir, recuando e se escondendo contra si, defendendo suas costas contra qualquer parede expositiva...
Há, sim, uma outra espécie de representação de imagens do ordinário... a das colagens (recortes), justificadas formalmente pelo artista. Tenho uma visão quase generalizante do pós-minimalismo como paródia da sisudez dos minimalistas “clássicos” em seus manifestos instantes de expurgação do que, possivelmente, seria a “artisticidade”, mesmo dentro do sistema de arte. Diego reverte os sinais interpretativos de seus trabalhos – inextricáveis em sua ambiguidade. A primeira vez que as vi, fiquei chocado quanto à sua autonomia simbólica... 
Somos reféns da perda de significado das imagens. Sabemos. A aurora benjaminiana de uma possível desnecessidade de crermos plenamente na unicidade daquilo que nos é exposto inverte-se num desdém... Levar este desdém ao paroxismo é nosso exercício ordinário, mas é possível sofisticar nosso vazio mais ainda... Diego Castro, na exposição “Cor De Base”, reifica... inorganiza (de: inorgânico) imagens: retira-lhes, pela depuração técnica, sua carga miníma de nos tocar... são também reapropriações de imagens de mídia que se dão pelo paradoxo de serem quanto mais fortes, mais insignificantes; seja pelo impasse discursivo que as manipula, seja pela sua apresentação tecnicizada, que as neutraliza, seja pela repetição... Seja por nossa descrença (descrença legítima) ou indiferença ao que vemos... A rearticulação dessas imagens, especialmente as imagens eventualmente “políticas” por Diego Castro se dá pelo cinismo de fazê-las lidas como tal: mais indistiguíveis do que os objetos que se tornaram...

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