entrevista para paço das artes





Na selva das cidades (do pensamento único).
À procura de um diálogo com o Grupo Hóspede.

Este diálogo é a edição de uma conversa que realizei com o Grupo Hóspede. Procurei estruturá-lo como um diálogo corrente, sem sujeitos reconhecíveis à primeira vista, onde as afirmações tem caráter interrogativo. Não se trata de um discurso oficial do Grupo, mas justamente da rearticulação crítica do que foi dito no curso de nossa conversa. Procura articular as problemáticas que têm sido levantadas pelo Grupo desde sua criação em 2005. A tentativa é de apontar em alguns trabalhos inflexões formativas, em vista da compreensão das possibilidades (e das impossibilidades também avistadas) de uma criação artística de corte crítico, que tem a cidade como seu principal interesse.


A proximidade com o Grupo me permitiu flanar livremente, indo de um trabalho a outro sem maiores dificuldades. Esta liberdade talvez possa confundir um leitor não familiarizado. De toda forma foi ela que permitiu uma leitura mais ampla dos problemas levantados pelo Grupo, na tentativa de configurar um campo de discussões mais fértil, que procura superar as vazias “questões” específicas levantadas comumente por textos de mostras ou exposições.


Os trabalhos aqui citados podem ser encontrados – com fotos e descrições – no site do Grupo. (http://www.grupohospede.org/)


.gustavo motta


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Arquitetura e destruição


- O trabalho recente, Plano de Reconversão de Logradouros Culturais (PRELOC) - 2009, se pauta nessa história de planos de reconversão urbana, que já se tornaram paradigmas da lógica urbanística/especulativa das cidades pós-modernas. Não se trata, neste segundo passo, de pensar como antes – no trabalho apresentado em dezembro de 2008 no Paço das Artes (PRELOC: 001/08, Pineaple Luxury Complex) – um projeto arquitetônico que o grupo faça; uma proposição procurando ironizar a lógica megalomaníaca da arquitetura pós-moderna. Não. Agora se trata de fazer outras coisas, um pouco na borda daquela primeira idéia. Não se trata de pensar realmente a arquitetura – este passo foi dado e já não interessa tanto.


- Havia toda aquela referência a Dubai e acabou ficando centrado nisso. O trabalho agora não é sobre arquitetura, mas sobre a imposição, uma coisa que o Grupo está interessado desde o começo. Num certo sentido, para pensar a cidade, o Grupo sempre foi para o lado da arquitetura, que serviu como um molde para falar sobre a imposição. Mas na verdade não era necessário usar a arquitetura especificamente para fazer esse tipo de coisa.


- A arquitetura deveria ser um facilitador do assunto.


- Mas na primeira versão do projeto ela distrai. Claro que a solução apresentada agora dialoga com a arquitetura, mas sem procurar nada específico – nem suas formas – nos mecanismos internos da atividade arquitetônica.


- O que o trabalho vai falar de arquitetura é justamente sobre a finalidade da arquitetura. Não é o projeto – o projeto no sentido formal mesmo, desenho do arquiteto – mas é o tapume fechando a área para construir. Um outdoor dizendo: “Estamos construindo”.


- Trata-se antes de pensar um pouco mais sistematicamente sobre a imposição que é feita, sobre essas escolhas que são feitas pelo capital e que são levadas a cabo e geridas pelos governos, escolhas que acabam incidindo sobre a população de um jeito muito foda. Ninguém sabe direito o que está acontecendo: “Opa! Demoliram!”.

Laboratório Hotel


- Nesse sentido, o trabalho tem ecos ou procura reformular abordagens já utilizadas anteriormente, como no Laboratório Hotel (2007), onde o grupo formou um centro de estudo e residência numa casa no Largo da Batata, em São Paulo. Esta área sofre atualmente um plano de reformas urbanas análogo do ponto de vista da especulação imobiliária – ainda que não em vista da função central que o campo da cultura exerce nas reconversões urbanas do centro da cidade. No centro a cultura foi uma espécie de vanguarda das empreitadas imobiliárias mais evidentemente predatórias.


- É. Mas isso porque o centro é histórico, então gera muito mais ruído do que destruir o Largo, que não é nada. No centro – com a Pinacoteca do Estado e a Sala São Paulo – sabe-se no geral como funciona.


- A reforma do Largo vai ter a função de fazer a ligação entre a Av. Faria Lima e a parte de lá da Av. Pedroso, que já está tudo “ok”. O Largo é uma pedra no meio do caminho ali, porque está no meio dos dois centros comerciais. Um lugar meio podre no meio.


- E tem planos de centro cultural também?


- Não. No projeto não especifica os usos dos prédios. Difere da idéia do centro – da cultura como uma espécie de vanguarda da gentrificação. No centro há uma pressão para a preservação dos prédios históricos. Então se cria uma nova função para eles (o órgão de repressão vira museu, a estação de trem vira sala de concertos), porque eles não podem ficar abandonados. Então os governos fazem centros culturais, que chamam um público de classe média alta, que interessa para...


- No Largo não tem esse apelo da preservação da arquitetura. Mesmo porque a arquitetura do Largo é de particulares, apenas pequenos comércios e residências.


- Há esses dois tipos de reforma: os centros históricos, onde os caras tem que preservar o que é histórico da arquitetura e conseguir dar novos usos e nova dinâmica funcional para o lugar; e tem as periferias da cidade, onde nada disso importa, não precisa preservar nada, eles podem realmente dar novos usos com novas construções.


- Que é um pouco ali o processo da ponte estaiada da Berrini.


- É, o Argan, no livro História da Arte como História da Cidade, fala sobre essa coisa de preservar o centro, como lógica da especulação imobiliária. Só que isso acarreta uma população miserável concentrada nas periferias. Ao invés de preservar a cidade como um todo, pensando na dinâmica geral, não: “vamos tombar esse prédio, esse prédio e esse prédio”. E aí, não adianta nada.


- Na época do Laboratório Hotel, o grupo via como necessidade isso de realmente estar lá, ver o que as pessoas pensavam do processo. E talvez mostrar para as pessoas o que ia acontecer.


- O grupo ficou lá quatro meses, conversando com as pessoas. Na verdade, não conseguiu fazer o queria, que era realmente conversar com as pessoas. A própria situação e a pressão de estar lá e ter que fazer alguma coisa frustrou diversas possibilidades de – talvez –realmente fazer algo.


- Tem algo do etnólogo, do antropólogo. Por mais que, enquanto passantes, as pessoas de classe média com uma vida intelectual e cultural mais ativa consigam perceber dinâmicas e contradições e gostar de lugares como esses… um artista ou alguém com uma atitude intelectual verá sempre o Outro. A realidade de estar ali na situação de fato, por exemplo, a situação do camelô ou do mendigo que fica ali o dia inteiro se perde para esse olhar.


- Ficou um “puta, não vai dar”. Não tinha a ver tomar essa postura do antropólogo, ou do assistente social, e o Grupo só percebeu isso quando já estava lá.


- O que eu acho que foi mais legal do Laboratório foi ter um espaço onde essas questões estavam colocadas e que se conversava sobre isso mesmo que fosse entre convidados, universitários, ou seja, “entre nós”. Usou um edital de produção artística para viabilizar a reflexão sobre o que poderia ser arte, e o que significaria isso, nesta situação do desmanche total. E não se preocupou em realizar obras-de-arte, o que é um grande avanço! Ele foi esse momento de reflexão, porque de fato externamente, de contato com o público…


- Na última semana houve o Cinema na Vitrine – que foi a única coisa que mais ou menos funcionou –, onde se pensou em projetar na vitrine da casa vários filmes que tinham a ver com a cidade. Foi um jeito de mostrar a casa, de tentar superar a intimidação que a presença do Grupo causava nos habitantes usuais do Largo. E ao mesmo tempo demonstrar – com um cinema aberto – que era uma coisa diferente do que estava lá dado. Aí as pessoas passavam, sentavam, se quisessem conversar…


- E as pessoas de fato paravam?


- Paravam. Esperavam o trânsito baixar.


- Mas o mais interessante no Laboratório Hotel é onde ele fracassa. Porque aí ele passa a funcionar como uma espécie de acumulação crítica.


- Sim, porque a idéia, à distância, de estar lá e procurar intervir no cotidiano do lugar é muito boa. Todo mundo que participou ou que ficou sabendo do projeto entrou na do Grupo: “nossa, vão estar lá, e vão estar conversando com as pessoas!”. E, depois, todas as descrições de quem estava lá foram: “não, não dava, não tinha como...”. Só que abriu esta consciência de que não dava para se inserir ali, assim sem mais. Inclusive porque se inserir ali tal e qual talvez significasse também a passividade que as pessoas, os camelôs por exemplo, tinham. Só que aí, a partir do momento em que isso é percebido e quando se começa a trabalhar com isso, é do maior interesse a acumulação crítica. Porque foram nos debates promovidos, que envolviam universitários – pessoas que estavam de fora da questão a princípio – onde se gerou um maior interesse, pelo menos num nível simbólico, justamente por estar acontecendo lá, in loco.

Cultura no Caminho


- Já o projeto Cultura no Caminho (2007) lidava com esse aprendizado inicial. Uma outra tentativa de inserção que passa por esse aprendizado ou acumulação crítica.


- A idéia era pegar um imóvel no Largo que fosse mais camuflado entre o comércio, que não fosse tão reservado igual foi a casa. Algo que fosse realmente uma loja que as pessoas não tivessem essa barreira de uma residência particular. A idéia do Grupo era pegar o acervo da biblioteca do Midlin e do IEB da USP, selecionar algumas coisas e trabalhar em cima de fac-símile de obras que seriam reproduzidas na íntegra. E no meio teriam livros que o Grupo montaria uma narrativa ou interferência. Teria essa biblioteca de fac-símiles, que as pessoas poderiam retirar livros, ao mesmo tempo, haveria um espaço em que elas poderiam pesquisar material e montar seu próprio fac-símile. A gente programou várias oficinas, então seria um modo de circular informação.


- A idéia é meio a mesma do laboratório: falar com as pessoas que circulam pelo Largo, só que não falar diretamente, mas com uma mediação. Uma mediação realizada pelos livros e pelas relações de empréstimo ou de serviço.


- A idéia era pegar livros que tivessem a ver com a formação cultural brasileira – literatura de cordel, livros de viajantes, todas essas coisas que tem muito no acervo do IEB, que é um acervo que ninguém conhece e também ainda não foi digitalizado. Ia ter a dupla função de digitalizar o acervo e disponibilizar fora da universidade, no Largo da Batata. Tudo de par com uma série de oficinas e palestras programadas: encadernação, digitalização, reflexão histórica, história da arte, etc… Ao mesmo tempo iam ter mostras de cinema e também exposições de artistas. Ia ser meio a mesma coisa do Laboratório, conversar com essas pessoas.


- Mas agora já havia uma mediação da cultura – inclusive nos seus dispositivos impessoais, de prestação de serviço, etc. – que não havia no Laboratório.


- Como anteriormente já havia no projeto Penhor (2006), que era para ser realizado no prédio da Caixa Econômica Federal, na Praça da Sé.

Plano de Reconversão de Logradouros Culturais


- Mas tem uma diferença entre esses projetos todos e o que o Grupo procura buscar agora, não? No geral os trabalhos se desenvolviam a partir da idéia de site-especific – que, se não é abandonada, está agora servindo a uma idéia central mais ampla, ou que procura abordar os problemas de forma mais geral.


- Tem um pouco essa idéia de sair da história do site-especific. O PRELOC procura ter uma linha mais homogênea e abrangente.


- Em determinado momento o Grupo se viu na situação: “Que saco, sempre essa história do lugar que a gente vai visitar e fica levantando as questões, puta que o pariu, sabe?”. Então surgiu a história de ter um plano-mestre que fosse compatível com várias situações.


- E aí ocorre uma espécie de inversão: esse trabalho das reconversões coloca uma espécie de narrativa que os outros não tinham. Os outros trabalhos partiam sempre de alguma espécie de narrativa prévia. Era a idéia: “este lugar é assim, assim e assado” e os trabalhos procuravam intervir no que estava acontecendo. Agora é o contrário: impõe-se uma narrativa maior.


- Parece que é uma tentativa de escapar dessa especificidade microcósmica e anedótica do lugar, da história específica, para entender como os problemas que aparecem ali funcionam sistematicamente. Inclusive porque reconsidera os problemas que tinham sido levantados antes, com a visão do etnólogo, e percebe que não era disso que se tratava.


- Talvez seja uma forma de tentar pensar criticamente: intervir através de uma mediação, onde já não tem mais um engajamento completamente existencial, no sentido de “vamos morar ali, vamos viver aquele negócio”. Reconhecer uma distância dada previamente pela situação geral da cidade capitalista.


- O engraçado: desta vez não só se coloca uma espécie de narrativa, como também parece que muda o sujeito da narração. Até agora o discurso do Grupo se identificava com o sujeito que estava sendo expulso do lugar, em suma, com o oprimido. Isso ainda se dava mesmo no passo seguinte do Laboratório, quando se percebeu que um intelectual, um artista não vai ter essa ligação direta, e que para existir ela vai ter que ser construída. Para essa construção o Grupo buscou implicar mediações, a princípio culturais, mas que estão sempre na órbita de circulações, seja de comércio especificamente, seja de conhecimentos culturais, de atividades. Agora, a narrativa completamente ficcional do G.H. Associados, onde o ponto de vista é do mais alto.


- A intervenção nova tem o sentido de acentuar os dados cômicos, acentuar o que tem de arbitrário, de bizarro e de bizonho nessas coisas, nesses planos de reconversão, e em última instância na prática gerencial da cidade.


- Eu acho que bem no início surgiu um pouco inconscientemente, mas foi se acentuando ao longo do tempo. Logo surgiu a idéia de uns outdoors, ou então panfletos, que, ao invés da criação de um lugar onde estivesse implicado o trânsito de cultura – como deveriam ter sido todos os projetos idealizados pelo Grupo – houvesse uma demolição ou uma reconstrução total, que afetasse a circulação geral dos arredores, fosse em termos culturais, fosse em termos de tráfico de veículos mesmo.


- O Grupo pensou o que se poderia fazer para que um trabalho como os que estava desenvolvendo não virassem apenas uma denúncia de artista dentro de um espaço expositivo.


- Daí veio a idéia de uma marca, um logotipo, uma empresa que vem de cima e se impõe.


- De um lado dá para ver como nos outros trabalhos a narrativa estava posta pela realidade. E agora é a ficção que tem uma tentativa de sistematizar os problemas, que se referem aos que o Grupo estava tateando antes.


- Por outro lado, tem uma coisa com relação ao blog, a coisa da ironia, ou de sua enunciação, que parece mais clara agora em relação ao trabalho apresentado em dezembro.


- Pelo menos mais claro para quem souber o que é o Grupo Hóspede…


- O texto que está no blog agora, o G.H. Associados, se apresenta como um texto empresarial.


- “Altamente qualificado em suas qualidades”.


- O texto já começa a dar uma pista pelo exagero, pelo bizarro. E há agora uma interferência no texto do blog que me parece muito inteligente: “Após profunda pesquisa urbana realizada pelo Grupo Hóspede”. Ou seja, leva adiante uma pesquisa levada a cabo pelo Grupo Hóspede. Este pequeno texto resignifica o Laboratório Hotel na sua tentativa humanitária – e o resignifica como uma pesquisa de mercado. Por um lado, eu acho que de fato avança naquilo que a gente estava falando, dessa mudança tanto do foco da narrativa quanto do narrador. Por outro lado, continua tendo um problema de ironia no discurso, na narração que – ao mesmo tempo que expõe a bizonhice dos problemas que o Grupo já está mapeando faz tempo – entra nela.

Contra a Cultura


- Também tem a ver com uma coisa que já vem de antes, de um entendimento dos processos de inversão que uma intervenção artística tem que realizar no próprio âmbito da cultura. Se a cultura está sendo usada, no geral, como parte desse processo de gentrificação e de reconversões, desde os primeiros trabalhos – como Monumentos (2005) – tem uma tentativa de criar um choque ali. A atividade artística deve criar este choque com o cultural.


- No Monumentos, o Grupo criou um ambiente dentro de uma galeria em Brasília, que associava imagens de travestis – que faziam ponto na mesma rua do espaço expositivo, no período da noite, quando a galeria estava fechada – à imagens das grandes arquiteturas modernas da capital do país.


- Mas agora a ironia não só está acentuada, como está vindo de cima – ao contrário do exemplo diametralmente oposto que é o exemplo do Monumentos, onde a voz vinha de baixo, revelava a contradição da galeria mediante o ponto de vista do travesti, do ponto de vista do sujeito que era excluído daquela relação. Por vir de cima, a narrativa também entra nessa ironia onde – não é que a ironia se perde – não dá para reconhecer o quanto ela está integrada no próprio discurso original.


- Se você pega discurso de algum político – principalmente os da tucanagem uspiana – tem ironias incríveis ali que estão simplesmente dando margem para que o movimento do capital continue.


- Mas o Grupo está opondo uma ironia ativa – uma ironia que é colocada em cima.


- Só que, ao mudar a voz, ela reflete ou se mistura com a ironia objetiva do fato. Em que ponto vocês acham que essa “ironia ativa” e, que em certo sentido tenta demonstrar as contradições do lugar, consegue ter voz junto a essa ironia objetiva do fato? O quanto, por exemplo, esse discurso empresarial vai gerar um sorriso de canto de boca, mas não vai de fato à exposição das contradições dos logradouros culturais?


- Ah, mas há outras coisas no trabalho onde essa questão da ironia deixa de ter centralidade. Ela não é anulada, não fica de lado, mas ganha outra dimensão. Porque ao tentar pensar como as intervenções no lugar vão estar e como elas estão submetidas a esta narrativa geral da reconversão, é possível que haja, ao mesmo tempo, um aprofundamento dessa narrativa e uma relativização dela.


- O que o Grupo pensou na primeira exposição, de dezembro, foi realmente trazer à vista o problema, expô-lo. Se tratava da exposição que esses projetos normalmente têm mediante a imagem, mediante a maquete. No fim, passou como mais um trabalho de arte, não pegou no ponto. Essa segunda exposição procura chamar a atenção para que as pessoas vejam aquilo como se de fato o prédio fosse ser demolido. Apenas num segundo momento, pegar o folder e ler aquele plano de metas absurdo e pensar realmente: “Nossa, isso está dentro dessa lógica, de onde vem isso? Quem são essas pessoas que estão fazendo esse absurdo?”.


- Que é uma coisa que se deveria pensar sempre quando se vê esse tipo de projeto. Quem falou que o Largo da Batata é passível de ser totalmente destruído? De onde veio isso? Que pesquisas se fizeram para chegar a essa conclusão? Quais são os interesses ali que fazem isso ser possível? Que não fazem isso ser possível em outro lugar, porque ali é mais urgente agora? Então, pensar essa urgência em cima desses centros culturais, que muitas pessoas nem sabem que existem. Passam na frente do lugar e nem sabem que ele existe. Só vão saber que existe quando ele vai ser destruído.


- Dar visibilidade justamente pela placa de reforma, os tapumes.


- Esse texto ou narrativa é importante por causa disso, mas ele é sempre um segundo momento.


- Aí tem um pouco da tal da ironia objetiva da situação, no texto. Concordo com você, que esse choque inicial é que vai propiciar uma leitura pensante do texto, onde aquele conforto vai me desconfortar. Busca-se frustrar as pessoas, chocá-las e frustrá-las. Não, por exemplo, como trabalho da cama em Santo André – Sala com Intervalo (2006) – onde até havia um choque para as pessoas que estavam lá acostumadas com uma sala inóspita, e passaram a fazer uso da cama, mas era gostoso, era bom.


- Era útil.


- É. Talvez gerasse um incômodo para a administração do prédio. Um pouco mesmo no Laboratório tinha isso, tinha um conforto ali de “isso é um lugar de experimentar, de ser livre”. Agora vai ter uma barreira na frente do lugar, uma barreira anunciada, não é só uma barreira física.


- Uma coisa que já comentaram, que antes era uma abordagem mais “nós somos seus amigos, nós estamos aqui, somos seus vizinhos no laboratório, estamos pesquisando” e agora não, e aí?


- A gente vai destruir tudo.


- Não é mais uma abordagem amigável.


- Não é mais pôr uma cama para pessoas que estão num lugar de passagem. É o contrário.


- Então, porque aí é possível que funcione a coisa da ironia. Porque a ironia passa a ser de fato, o trabalho passa a ironizar e não a sofrer da ironia alheia, objetiva.


- A ironia sempre teve, mas como eram objetos úteis, ficava dissolvida.


- Também, na verdade, a gente não conseguiu sair realmente da especificidade. Porque cada lugar o Grupo ainda pensa...


- Mas agora tem um plano...


- O texto passa a ser uma espécie de segunda camada necessária, talvez, para a apreensão completa da coisa. Mas eu não preciso saber exatamente a narrativa do Paço, saber que aquilo é um lugar... A coisa está dada de cara, ao contrário da cama, que sem a idéia por trás, era uma cama.


- Mas fica um pouco refletido nas pessoas verem uma cama ali num lugar que elas sempre esperam e não tinha muito lugar para sentar, “nossa, puseram uma cama aqui, o pessoal pensou na gente”, fica uma coisa meio intuitiva, ela atende a uma certa necessidade que as pessoas poderiam sentir sem pensar muito. Aí você já traz uma outra coisa, não atende a necessidade nenhuma.


- Acho que também tem uma coisa, ainda que talvez isso que você falou de ele lidar especificamente com o Paço, mas isto está subsumido numa tentativa de pensar sistematicamente o todo da cultura: o que é a cultura dentro da cidade? Pensar as relações problemáticas que elas têm.




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