Modulações é a construção de um ambiente composto de uma projeção digital que parte do teto insidindo em um plano com uma camada de pedras de brita, nas paredes imagens fotográficas difusas de fragmentos de um corpo e pelo espaço sons arbitrários... é mais uma instalação que corresponde de forma coerente à pesquisa “intermidiática” dos artistas, que vêm desde 2011 produzindo performances audiovisuais e instalações interativas.
Esta dificilmente
poderíamos dizê-la interativa, pois não joga com a transitividade essencial que
comumente encontramos entre um emissor a um receptor, porém mantém uma certa
ansiedade entre a exploração, pelo ainda simples espectador, dos elementos e informações
incorporadas em seu espaço e uma possível participação direta na construção da
experiência. No caso, o acúmulo dessas informações fortuitas que se originam de
diversos dispositivos tecnológicos (nem todos necessariamente digitais)
estimula ,como já dito pelos próprios artistas, uma confusão sensorial. Talvez
seria melhor até compreendermos esse trabalho como, também sugerido, uma experiência
sinestésica, apesar de achar este um termo complexo: que acaba servindo mais a
proporção de não sabermos como definir espontaneamente uma experiência num meio
e assim partimos para o uso ambíguo de um conceito.
A artista
Alessandra Bochio no texto “Considerações sobre Intermídia” onde exemplifica a
partir das experiências do artista fluxus Dick Higgins e sugere intermídia como
“categoria formal para definir uma interrelação entre diferentes meios que se
fundem para se tornar um algo até então novo”, desta então parte para outras
definições como a de Yvonne Spielmann: “o termo intermídia está relacionado à transformação
dos meios, de modo que o próprio processo que os une os transforma”, apesar de
que utilizando essas definições podemos assim também chegar, mesmo que en
passant, às de colagem, assemblage ou mesmo de instalação. Assim aproximando
mais os resultados de sua pesquisa teórica a de sua produção artística.
Em Modulações o público ainda é criador e
recriador, mas apenas no âmbito de uma possível leve ressignificação das
informações alí encontradas. Além disso há uma sugestão de uma deriva (reafirmando
o caráter passível na deriva), e desde já também pela familiaridade que temos com
seus elementos: a projeção, o som no ambiente, as imagens dispostas pelas
paredes do espaço expositivo; itens que são hoje tão triviais na maioria das
instalações e dos propostos espaços “imersivos”. Como escrevi em outra ocasião:
no caso, a experiência pode ser até contraditoriamente silenciosa (no sentido
de passarmos imunes nos possíveis desejos de convergência interpretativa), pois
cada um tem mesmo que aceitar o jogo com os fragmentos de sons e imagens e
ajustá-los segundo sua particular convivência no ambiente dentro de uma
conveniência adaptativa possível... Levando em consideração a intenção de
eliminar sugestões narrativas o quanto possível.
A familiaridade
com os elementos dispositivos desta instalação em hipótese alguma empobrece a
experiência, pelo contrário, força-nos a encontrar uma especificidade qualquer
dentro de uma estrutura já tão conhecida porém apta a novas experimentações.
Não é raro que assim que entramos nesses espaços, num primeiro momento quase
que já nos adaptamos à física de sua heterotopia e assim nos abrimos justamente
para investigar qual seria um coeficente mínimo específico disposto. Mas da mesma
forma que diante uma pintura, um dispositivo que nos é mais do que familiar,
nos dispomos a desconstruí-la ou reartircula-la em sua significação formal ou
histórica perene.
No caso da
instalação de Bochio e Castellani temos mais uma proposição de leitura da combinação
de meios do que algo que insinuaria ser decomponível. O exercício não chega a
ser síntese partindo de mídias variadas, mas paira um certo desejo de reajustar
diversas operações concomitantes que sugerem um ponto comum possível a ser
experimentado: os trabalhos parecem ser regidos mesmo que de forma sutil à satisfação
de uma expectativa, por exemplo em Modulações
há a insistência quase didática e descritiva de clarificação de sua
metalinguagem. Uma até ansiedade também dos artistas em sua série de trabalhos
conjuntos muitas vezes em apontá-los (mesmo involuntariamente) enquanto ilustração de conceitos como os de
tradução intersemiótica ou de intermídia. Quando insistem que seu trabalho
parte de uma pesquisa que possui como ponto central as convergências e as
interrelações entre imagem, som e corpo... isso torna, por exemplo, Modulações vezes uma espécie de tradução
de um conceito, vezes quase uma tautologia.
A possibilidade
dessa leitura sucinta vem justamente pela admissão dos próprios artistas de uma
“experimentação artística aliada ao trabalho teórico analítico”. Mesmo que há
muito não seja mais de forma alguma dissimulada as relações cada vez mais intrínsecas
entre teoria e prática artística (mais das vezes até forçadas), é interessante termos
assim a disposição contrapormos a pesquisa e sua resultante prática. Para o “bem”
ou para o “mal”... o exercício é corajoso.
Texto para a III Mostra do Programa de Exposições do CCSP. 2016.
Texto para a III Mostra do Programa de Exposições do CCSP. 2016.
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