alessandra bochio e felipe castellani.









Modulações é a construção de um ambiente composto de uma projeção digital que parte do teto insidindo em um plano com uma camada de pedras de brita, nas paredes imagens fotográficas difusas de fragmentos de um corpo e pelo espaço sons arbitrários... é mais uma instalação que corresponde de forma coerente à pesquisa “intermidiática” dos artistas, que vêm desde 2011 produzindo performances audiovisuais e instalações interativas.
Esta dificilmente poderíamos dizê-la interativa, pois não joga com a transitividade essencial que comumente encontramos entre um emissor a um receptor, porém mantém uma certa ansiedade entre a exploração, pelo ainda simples espectador, dos elementos e informações incorporadas em seu espaço e uma possível participação direta na construção da experiência. No caso, o acúmulo dessas informações fortuitas que se originam de diversos dispositivos tecnológicos (nem todos necessariamente digitais) estimula ,como já dito pelos próprios artistas, uma confusão sensorial. Talvez seria melhor até compreendermos esse trabalho como, também sugerido, uma experiência sinestésica, apesar de achar este um termo complexo: que acaba servindo mais a proporção de não sabermos como definir espontaneamente uma experiência num meio e assim partimos para o uso ambíguo de um conceito.
A artista Alessandra Bochio no texto “Considerações sobre Intermídia” onde exemplifica a partir das experiências do artista fluxus Dick Higgins e sugere intermídia como “categoria formal para definir uma interrelação entre diferentes meios que se fundem para se tornar um algo até então novo”, desta então parte para outras definições como a de Yvonne Spielmann: “o termo intermídia está relacionado à transformação dos meios, de modo que o próprio processo que os une os transforma”, apesar de que utilizando essas definições podemos assim também chegar, mesmo que en passant, às de colagem, assemblage ou mesmo de instalação. Assim aproximando mais os resultados de sua pesquisa teórica a de sua produção artística.
Em Modulações o público ainda é criador e recriador, mas apenas no âmbito de uma possível leve ressignificação das informações alí encontradas. Além disso há uma sugestão de uma deriva (reafirmando o caráter passível na deriva), e desde já também pela familiaridade que temos com seus elementos: a projeção, o som no ambiente, as imagens dispostas pelas paredes do espaço expositivo; itens que são hoje tão triviais na maioria das instalações e dos propostos espaços “imersivos”. Como escrevi em outra ocasião: no caso, a experiência pode ser até contraditoriamente silenciosa (no sentido de passarmos imunes nos possíveis desejos de convergência interpretativa), pois cada um tem mesmo que aceitar o jogo com os fragmentos de sons e imagens e ajustá-los segundo sua particular convivência no ambiente dentro de uma conveniência adaptativa possível... Levando em consideração a intenção de eliminar sugestões narrativas o quanto possível.
A familiaridade com os elementos dispositivos desta instalação em hipótese alguma empobrece a experiência, pelo contrário, força-nos a encontrar uma especificidade qualquer dentro de uma estrutura já tão conhecida porém apta a novas experimentações. Não é raro que assim que entramos nesses espaços, num primeiro momento quase que já nos adaptamos à física de sua heterotopia e assim nos abrimos justamente para investigar qual seria um coeficente mínimo específico disposto. Mas da mesma forma que diante uma pintura, um dispositivo que nos é mais do que familiar, nos dispomos a desconstruí-la ou reartircula-la em sua significação formal ou histórica perene.
No caso da instalação de Bochio e Castellani temos mais uma proposição de leitura da combinação de meios do que algo que insinuaria ser decomponível. O exercício não chega a ser síntese partindo de mídias variadas, mas paira um certo desejo de reajustar diversas operações concomitantes que sugerem um ponto comum possível a ser experimentado: os trabalhos parecem ser regidos mesmo que de forma sutil à satisfação de uma expectativa, por exemplo em Modulações há a insistência quase didática e descritiva de clarificação de sua metalinguagem. Uma até ansiedade também dos artistas em sua série de trabalhos conjuntos muitas vezes em apontá-los (mesmo involuntariamente)  enquanto ilustração de conceitos como os de tradução intersemiótica ou de intermídia. Quando insistem que seu trabalho parte de uma pesquisa que possui como ponto central as convergências e as interrelações entre imagem, som e corpo... isso torna, por exemplo, Modulações vezes uma espécie de tradução de um conceito, vezes quase uma tautologia.

A possibilidade dessa leitura sucinta vem justamente pela admissão dos próprios artistas de uma “experimentação artística aliada ao trabalho teórico analítico”. Mesmo que há muito não seja mais de forma alguma dissimulada as relações cada vez mais intrínsecas entre teoria e prática artística (mais das vezes até forçadas), é interessante termos assim a disposição contrapormos a pesquisa e sua resultante prática. Para o “bem” ou para o “mal”... o exercício é corajoso.

Texto para a III Mostra do Programa de Exposições do CCSP. 2016.

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