trocas bruscas






Na exposição de Vijai Patchneelam temos algo de uma poesia bruta e auto-referencial, quase apreendemos seu jogo entre parcos e esparsos pedaços de discursos que remetem a uma compreensão das imagens que propõe. Cria mesmo uma espécie de ansiedade... é quase injusto que juntemos os fragmentos conscientes de seus textos e imagens que nos lembram sempre do que chama fronteiras das relações narrativas e não-narrativas entre imagens e lugares...
O vídeo Trocas Bruscas nos acena uma saída interpretativa cruel que vai apontar nosso comportamento com o restante dos trabalhos expostos: recolher objetos despejados e reencena-los... reinserir-los em outro dispositivo e lógica discursiva, o que seria sua estratégia comum. O uso do registro de vídeo saturado (um minimo de tons de transição entre elementos cromáticos que compõem a imagem), remete à saturação também entre discurso e imagem (os fragmentos intimistas e nucleares que mesmo em passagens bruscas quase que nos obrigam a sugerir um nexo): os objetos deslocados e recomposicionados aparecem de forma paulatina e imponente se deixando ser descobertos em sua redesorganização junto a um aparente controle sobre seu significado... é necessário que esteja claro a todo momento que há sim um abismo entre a intenção de resignifica-los e a capacidade de produzir esse efeito. Os objetos são recolhidos de uma situação de degradação e abandono e colocados gentilmente em outra.
O livro Porra Nenhuma: Intervir em um ensaio textual chamado The Gentrification Debates com imagens registros de sua vivência em uma residência artística no Rio de Janeiro. O aspecto circunspecto de um debate acadêmico sobre a rearticulação de significados urbanos é contaminado, é “sujo” pela introdução tosca e até de certo modo violenta de imagens intimas da convivência mútua de artistas que normalmente são usados como ferramentas para intervenção governamental ou corporativa em espaços urbanos supostamente “rebaixados” socialmente... alí estão artistas e seu ambiente em registros meio “porcos”, ruidosos...  de seu ordinário. Novamente temos esse embate entre um “querer dizer” criado na fricção de dois regimes de construção de significado, em dois registros dispares combinados...
Phillipe Dubois forja uma relação etimologia/definição para vídeo: como ato de olhar se exercendo hic et nunc, por um sujeito em ação. Implicando uma ação em curso (processo), um agente operando (um sujeito) e uma adequação temporal ao presente: “eu vejo” é algo que se faz “ao vivo”, não é o eu vi”(passadista), nem o “eu creio” ver do cinema (ilusionista) e tampouco o “eu poderia ver ”da imagem virtual (utopista). Essa definição de vídeo no caso de Vijai pode ser expandido também a suas publicões. Há uma forma de operação, de regra (mesmo que um tanto aberta e ambigua) que encaminha a ação de olhar do artista, e que nos projeta dentro de uma mesma temporaridade, dentro do mesmo presente dessa ação que sugere uma construção e uma interpretação (mesmo que muitas vezes frustrada) conjunta.
Na última capa do livro Dia-não. Temos uma espécie de nota explicativa... quase um fundamento para a mixórdia de quadros que a princípio parecem aleatórios: “Ao encontrar-se em uma cidade nova, você fotografa e edita um livro que se desenvolve a partir de apenas uma fotografia, tirada anos antes quando em uma cidade estrangeira. (...) Ao terminar, com o livro pronto, você descarta a fotografia.” As imagens parecem mesmo ser fracionadas de uma imagem de maior completude... mas de uma e complexa imagem-cidade.  Ficamos reféns dessa diretriz. E mesmo que essa descrição de uma regra nos pareça gnômica, quase poética... ela se impôe como essencial para nosso trajeto pelo livro... sugere também um certo relativismo composicional, é necessário aceitarmos consensualmente essa lógica proposta pelo autor.
O mesmo procedimento é encontrado na publicação Aquilo que passa não te pertence, o que fica não é nada. Neste, só que menos intimista, há também uma espécie de deriva, de percrutação da cidade de forma a principio desnorteada. A diferença é que as imagens são de uma iconografia um pouco mais acessível. Temos um flerte maior com uma espécie de decupagem filmica, há até mesmo respiros de páginas negras que simulam um certo tempo na passagens entre imagens (frames) nos vídeos, que sugerem um duração, uma lentidão, uma temporalidade especifica para sua leitura... Mais uma vez há de um “método” similar da construção de significado pelo embate discursivo-imagético que permeia grande parte dos trabalhos expostos.
Escolhi alguns dos trabalhos expostos, tentando forjar um caminho interpretativo. Mas achei em seu portfólio, o poster Ficção, onde temos uma dessas afirmações misteriosas e clarificadoras de Vijai:
“começo um texto dizendo: um texto de começo, meio e fim. Depois de tudo escrito vai se raspando frases, sujeitos e parágrafos. Sobra um escrito cru, telegráfico, onde o enredo é a pausa do ponto, nada enrosca.
Em nada, sequenciando sem caminho coisas como. “pés e mãos somam quatro, rezando e cuspindo”, “é o que fazemos, é o que se faz”.”

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