1.
Como foi a
experiência da Residência Artística do Red Bull Station e a convivência com os
outros artistas?
A
experiência foi satisfatória. Já conhecia parte dos artistas. Senti muita
liberdade, especialmente por não haver um projeto pré-estabelecido para ser
cumprido. Sobre essa falta de um projeto pensava que a princípio exigiria uma
conversa mais intensa com a curadoria, mas tudo foi muito tranquilo. Eu produzo
pouco, então tentei fazer coisas que não faria em outras circunstancias,
aproveitando dessa liberdade. Houve trocas producentes com os outros artistas
que apesar de terem perspectivas diferentes, todos entendiam o clima. O grupo
era bem sortido e aproveitei o quanto pude dos
comparsas...
comparsas...
2.
Qual a
importância que você vê para uma residência artística conjunta e de 10 semanas?
O
problema é ficar mal acostumado, acho que foi o Judas mesmo, que é bem
experiente, e disse que estava triste que acabaria... Eu mesmo me alienei um
pouco. Pois cabia eu ter produzido mais, mesmo tendo uma boa coleção de lições
que tirei de lá. 10 semanas é um tempo razoável pra colocar uma ideia de pé...
foi estimulante e criei até uma certa ansiedade...
3.
Nota-se que
o tipo de reflexão que você faz em arte está tanto na própria história da arte
quanto na política atual. Você poderia falar um pouco do seu processo e de
trabalhos diversos cujo diálogo se faz com o seu para alcançar o resultado
almejado e os conceitos que fundamentam o seu trabalho?
Meu
trabalho ainda tem uma relação meio traumática com minha formação. Muito
debate, pesquisa, uma ânsia por legitimação discursiva... (no pior sentido).
Gostaria mesmo de me livrar de uma certa metalinguagem viciada, de demasiada
discussão sobre história da arte, ou sobre politicas que permeiam a arte. Das
possíveis dores de cabeça quanto à história da “arte contemporânea” gostaria de
partir para uma convivência mais pacifica com a história contemporânea da arte.
Quanto a pensar política, tudo se torna ainda mais confuso, e na maior parte
das vezes de uma complexidade engessante ou estéril. Aquela proposição batida
do Godard, não me lembro perfeitamente, mas era sobre não fazer filmes sobre
política, mas faze-los politicamente. Então, o problema é que isso se tornou
muito difícil, quase paródico. Penso na Tania Brugera, que diz não produzir
arte mas criar possíveis situações politicas dentro da ambiência “arte”. Muito
do que fiz durante alguns anos era muito literal e didático. Tentei utilizar da
residência para fugir disso. Pois simplesmente fazer emergir as fragilidades
discursivas da política, e essas são inúmeras, é um exercício que tem se
saturado. Os trabalhos se tornaram literais demais, os apontamentos políticos,
as discussões e as fragilidades encontradas são evidentes demais. Suas
re-traduções acabam redundantes. Sei que estou exagerando. Mas é saudável dar
uma radicalizada nas opiniões.
4.
Concordo em
partes com o que você disse, mas vamos ficar um pouco nesse assunto que na
verdade, muito me interessa. Em uma entrevista de Elias Fajardo da Fonseca com
Cildo Meireles, Cildo disse que na arte, a retenção de informação por parte do
artista incentiva a discriminação, e cabe ao artista tentar romper isto. O
trabalho de arte deveria ser globalizante, e o acesso à obra não deveria ser
condicionado e que a arte tinha que poder ser feita e curtida por qualquer
pessoa tocada por ela. Em meus trabalhos pessoais, sempre lembro dessa frase,
tentar democratizar as informações é um exercício que penso ser cada vez menos
exercido talvez por nossa profissão ser mesmo algo muito solitário...talvez.
Mas você concorda com isso? Conheço sua produção e a acompanho há algum tempo.
Mas senti nesses seus trabalhos expostos no Station que talvez sejam o
contrário do literal demais, você poderia falar um pouco sobre eles especificadamente
e falar um pouco sobre quais ideias o espectador pode ter do seu trabalho?
Retenção de informação? Sim e não... Difícil
reter algo que é preciso não ter. O que eventualmente chamamos de teoria
institucional... que é eficaz... arte
existe em sua lógica consensual... não há formas de “democratizar” experiências
que só se dão em um espaço muito limitado que justamente tem suas próprias
regras, sua própria forma democracia heterotópica. A arte pensa a experiência
humana de forma fabular, alegórica. É sua própria razão de ser criar essas
distancias: estender, desistir, milongar, distorcer ou mesmo fazer sumir os
discursos. O consenso, o acordo entre aqueles que produzem, pensam e consumem
arte é determinado pela própria ambiguidade resultante de seus interesses
dispares, suas tensões internas . Um produto artístico pode se legitimar, mas
não se justificar. Quando digo que a representativa parte dos trabalhos
contemporâneos são literais é por tentarem de uma maneira ansiosa resolver as
contradições entre um déficit discursivo e um excesso de campos e construções
de visibilidade onde quaisquer narrativas conseguem se deitar. O que chamamos arte é algo que responde
obliquamente ao que não lhe pertence responder.
Diferente da filosofia que desde que cria suas próprias perguntas às
responde plausivelmente. O que você
sugeriu sobre globalizar a experiência, na minha opinião: seria neutraliza-la
ou homogeneiza-la. O Cildo que já é hiper-legitimado, não precisa mais se justificar.
Ele tem trabalhos fodas e alguns flertaram com política, mas jamais foram
acessíveis. Foi o Jorge Menna Barreto quem fez aquela paródia: “Quem matou
Cildo Meireles?” Minhas experiências no Station foram tentativas de fugir
disso... poderia ter sido mais
interessante pensando a situação em que
me enredei.... mas preferi tentar
ilustrações de Wittgenstein e Benjamin que são importantes pra mim.
Queria poetizar algo e não sei se consegui.
Mas jamais reivindicaria politicamente acesso a um lugar que eu mesmo
não compreendo ter acesso... e mesmo se
o tentasse... E o que seria democratizar a obra? O termo globalizante é osso. Nos acostumamos a
lidar com insuficiências em nossa produção com uma certa culpa. E como se
admitindo essa culpa, nos aliviássemos dela. Fiquei num dilema quando tentei
explicar o trabalho com a escada, que vinha mesmo de uma proposição de
Wittgenstein... Heteronomia/autonomia. Devia mesmo é ser prazeroso não
respondermos a demandas interpretativas,
mas pelo visto não é...
5.
Sei que agora você está no grupo de crítica do CCSP.
Será que não através da crítica literária que seu trabalho de arte melhor se
expressa?
Já pensei muito nisso. Mas estou
começando agora no grupo de crítica. Há muito que fazer antes de analisar a
experiência. Sempre amei falar sobre arte, eu mesmo já organizei debates sobre
arte em ocasiões que poderia ter exposto. São apenas temporalidades
diferentes. Vejo agora que é muito mais
difícil, tomei mais como um desafio. Pretendo continuar vivendo essas duas vias
de pensar arte. Acho purista que uma forma exclua a outra. Veja essa última
Bienal, fiquei um pouco chocado com algumas críticas. Que assumiam uma postura
muito essencialista, quase anacrônica: Ah não há Arte (com A maiúsculo, seja lá
o que signifique), não há Poesia. Uma volta do recalcado, assumindo um
desconforto com a indeterminação epistemológica, ou com um possível contágio
entre linguagens. Lembro uma vez que eu mesmo ,me assustei com o tamanho do
catalogo de uma Bienal de Berlim: Deus! Um catatau de textos e textos e
discussões... quem vai ler toda essa merda? James Elkins tem um texto classe
quanto a quantidade de produção critica, como se desaparecesse pelo excesso...
Ele se faz a mesma pergunta... não sei responde-la.. mas nesse momento estou
tentando escrever...
6.
Em outra questão
você falou sobre uma relação traumática com a sua formação, você diz da
formação artística na ECA-USP ou na formação mais abstrata? Como esse trauma
aparece no seu trabalho?
Da minha formação na ECA-USP,
mesmo. As intermináveis discussões sobre instituição, política, acesso,
“democracia”, relativismo, essencialismo, aquela analise paranoica das
contradições. Mas foi em minha época. Hoje vejo as pessoas ali mais maduras, ou
ao menos mais malandras. Mas é um momento do qual tenho muito orgulho apesar de
ter deixado essas sequelas. O trauma é meu próprio trabalho. Aprendi a sofrer
demais pra produzir. Pensar demais... as criticas que estou apontando aqui, são
parte de uma espécie de choque terapêutico que venho me imposto. Uma artista
linda do mundo um dia me disse: Pensas demais, vai lá e faz merda! E que seja a
tua grande merda!
7.
Como você,
que traz uma produção politizada e crítica do sistema atual, vê uma residência patrocinada
por uma empresa multinacional?
Não é
tão simples. Há toda lógica pragmática de produção de cultura. São produtos que
eventualmente são chamados culturais. Existe sim o problema da contaminação
formal. Museus públicos hoje são pensados e geridos como centros culturais que
são pensados e geridos como shoppings, que são pensados e geridos obviamente
como lojas, que remetem a galerias e vice e versa, a estrutura das galerias de
arte que contamina os ditos espaços independentes... e afinal o que é um espaço
independente hoje? É claro que não se leva em conta apenas esses campos de
visibilidade, e as respectivas formas como esses espaços são construídos. Ana
Amorim é uma artista que durante anos pesquisava intensamente as origens dos
fundos, dos patrocinadores que suportam a cultura. É um buraco sem fundo. A
impressão é que subjaz a cada pinturinha pendurada em uma parede de instituição
uma rede perversa de lavagem de grana. Pensar nisso é necessário, mas na
maioria das vezes contraproducente, é suicida e paranoico. Há também o problema
do estranho vínculo que se cria. Bom... não fomos obrigados a posar com
latinhas de Red Bull. Mas durante a residência evidentemente representávamos a
marca. O que deveria ser pensado com mais profundidade são os desdobramentos
dessas iniciativas. Mesmo a Brugera fez lá seu trampo super “politizado” no
super Turbine Hall da super Tate. Senti uma certa alienação durante o período,
como se nossa função ali fosse cumprir um papel institucional sem mais consequências.
Mas ao mesmo tempo tentar descontruir internamente essa situação seria pueril.
Acho que faltou sim uma relação maior com um todo do circuito de arte. Por
exemplo: ah! Santinho você esta participando daquele negócio da Red Bull? Como
se não fosse algo sério. Talvez o tempo sane isso... com a continuidade do
projeto de residência.
8.
Na sua
opinião, por que as artes visuais se tornaram tão elitistas, ao contrário da
música, por exemplo, que se popularizou? Pergunto isso pensando no projeto de
música da Red Bull que parece bem mais conhecido popularmente do que o projeto
de residência artística.
É
estranho que sua pergunta parece superdimensionar um caráter às artes visuais
que penso não ser tão determinante assim atualmente. Algo como se fossem
inerentes: elitização, experimentação, erudição, etc. Fica difícil também por
não especificar o que pensa ser música quando diz música. A fotografia e o
cinema tem uma origem popular que não as definem. Talvez se refira ao projeto
musical da Red Bull que é mais eclético, isso o faz parecer mais popular. Há
outros problemas... a produção em artes visuais tem formas de transmissão e
exposição que exigem estruturas mais limitadas e especificas... Por exemplo,
você infelizmente tem que ir no museu ou na galeria, onde temos lá o tal espaço
expositivo. Os trabalhos e seus conceitos (suas justificações) acabam que são
mais complexos (não são mais difíceis). As pessoas que normalmente frequentam e
assim constroem esses espaços, esses sim em sua maioria acabam elitizando a
experiência, mesmo de forma involuntária. Não há aura mais aurática que a de um
objeto que se propõe sem aura... (piadinha sem graça).
9.
Olhando um
pouco para a sua produção encontramos muitas pinturas e colagens, você poderia
falar um pouco sobre os trabalhos apresentados na exposição final da Residência
do Red Bull Station e a escolha pelos suportes performance, registro, objeto e
vídeo?
Deixei
claro que passaria a pensar o que faria a partir do momento que a residência
começasse. Acabei pensando coisas demais a meu ver. Um trabalho, por exemplo:
começava como um performance, em que eu atirava uma velha escada da minha
altura de cima do prédio, de repente os registros dessa ação, no caso
fotografias da Mo Ventura, me fazem ver a experiência de outra forma, as
dificuldades de trabalhar com o registro em vídeo tão efêmero, que acabaria se
tornando autônomo, assim como a escada que se transforma em outro objeto, que
apesar de dentro do mesmo contexto é exposto como escultura... E me aproveitei
que não havia um projeto definido que delineasse demais os passos da
experiência. O tempo da residência fez com que tudo fosse mudando e que
gradualmente desistisse de algumas proposições. Por exemplo o trabalho das
armas com GPS, iria distribuir algumas pela cidade e depois monitorar seu
caminho. E me parecia ser ideal acontecer nas redondezas do prédio da Red Bull.
Fiquei ressabiado se me prejudicaria. Ou
o Angelus Novus, sobre o Benjamin: filmar crianças correndo de costas. Não fiz
naquele momento por me parecer pedante demais. Mas mesmo não fazer foi algo que
a residência me proporcionou. A escultura com o vídeo de zoofilia, não imagino
outra instituição que me deixasse expor. Mesmo que durante tãopouco tempo, foi
mais um teste que deu errado, perdeu a graça quando foi aceito... Um milhão de
cagadas também, o que foi o mais legal no fim das contas. E como deve ter
ficado claro aqui estou num momento de contradições.
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